terça-feira, dezembro 19, 2006

Guia Lisboa

O Expresso acaba de publicar um guia de restaurantes de Lisboa, nada menos que 765, número significativo, porquanto respeita à cidade propriamente dita e não à área metropolitana no seu conjunto. Dentro de dias sai outro relativo ao Porto. Se compararmos com o guia Boa Cama Boa Mesa, do mesmo jornal, vemos que, para o país todo, o BCBM refere 466 restaurantes, dos quais apenas 52 são restaurantes do concelho de Lisboa. É fácil perceber porquê: o BCBM tem implícito um critério de selecção. Agora não. O Guia Lisboa, chamemos-lhe assim, pretende-se exaustivo. Inclui a planta da cidade e 13 mapas. E permite pesquisa por género: étnicos (africanos, alemães, argentinos, brasileiros, chineses, franceses, indianos, italianos, japoneses, etc.), com esplanada, com serviço de take away, com música ao vivo, com late service, desaconselhados a crianças, com vista sobre a cidade ou o rio, e os que não aceitam grupos. Apesar das inevitáveis omissões, muito útil. Relativamente a outros guias portugueses, a novidade está nas classificações, obtidas a partir da média de três itens: comida, decoração e serviço. O modelo próximo é o famoso Zagat. Os que não foram visitados pelos autores ou avaliados pelos leitores do jornal, não têm classificação. Desses apenas é indicado o preço médio por refeição, sem bebidas incluídas. Um ícone próprio identifica os que foram visitados por jornalistas do Expresso. Outro ícone assinala o best of. De um modo geral, a informação é correcta: indicações de ambiente romântico ou rústico, formal ou informal, histórico ou in [colunável]; cartões de débito e crédito; estacionamento fácil ou difícil, etc. Abre com seis tops: os 20 «mais», os 20 «por comida», os 10 «por cozinha tradicional», os 10 por «cozinha internacional», os 10 «italianos» e os 10 «românticos». Noto várias bizarrias, a maior das quais é ver classificado em 1.º lugar um restaurante como o Flores, do Bairro Alto Hotel. Classificado em 1.º lugar em duas categorias: no «top 20 mais» e no «top 20 comida». Não se trata sequer do meu juízo de valor. Mas um restaurante que não foi avaliado por leitores do jornal, nem visitado pelos jornalistas afectos ao projecto, como é que aparece em 1.º lugar? Por obra e graça do Espírito Santo? Na entrada respectiva (p. 113), nenhum item está classificado. Mas no «top 20 mais» (p. 9) e no «top 20 comida» (p. 10) vem indicado 18/16/18 [comida, decoração, serviço]. Em que ficamos? A omissão da página 113 é gralha? Tenho na memória um comentário de Eduardo Pitta: «O Restaurante Flores é uma sala pequena no piso térreo. Faz esquina com a rua homónima, tem um chef laureado (Henrique Sá Pessoa), decoração minimal, pessoal simpático, serviço mediano, cadeiras confortáveis e iluminação deficiente. A carta é curta (nada contra), mas nem assim a cozinha levanta voo. É simplesmente correcta. [...] A conta, sem gorjeta, foram 55 euros por boca: água, vinho, prato principal, sobremesa. O couvert é gratuito; o café e os chás foram tomados no terraço e pagos em conta separada.» Na impossibilidade de comentar em extensão e detalhe, vou referir outros dois aspectos. Por mor da ordem alfabética, os restaurantes Galeto e Gambrinus vêm na mesma página. É interessante verificar o sentido da Vox Populi (o rodapé em que os leitores comentam) vs a apreciação crítica dos autores do guia. Sobre o Galeto, a recente ordem de encerramento, por razões de higiene e outras, diz mais do que qualquer apreciação aleatória. Acerca do Gambrinus, publicar comentários como «Ao domingo péssimo [...] Pão com bicho, falta de limpeza dos pratos do pão. Comida de aspecto banal, etc.», parece-me, no mínimo, leviano. Um guia não pode funcionar como funcionam as caixas de comentário dos blogues... Os autores classificam-no com 16/14/17 [comida, decoração, serviço] e depois só publicam comentários negativos daquele que é considerado por muitos (para não dizer que é consensualmente considerado) o «grande» restaurante de Lisboa? Isto da Vox Populi tem que se lhe diga: considerar «Casa do tipo popular» um restaurante como o Bem Disposto, praticamente um clube de tias de Campo de Ourique, não lembrava ao Diabo! Adiante. Outra curiosidade: a Pizzeria Lucca, na Travessa Henrique Cardoso, muito perto da Avenida de Roma, «recebe» um 18 no item serviço. Só pode ser distracção... É que o Gambrinus tem 17, o Valle Flor (Carlton Pestana) tem 16, a Versailles tem 15, a Bica do Sapato tem 14, a Casa da Comida e o Eleven têm 13... etc. Isto dito, o Guia Lisboa, até pelo adequado formato, é um bom instrumento de consulta em matéria de referências práticas: tipo de cozinha, moradas, telefones, dias de descanso, etc. Há coisas que não se compreendem, como o facto da Varanda do Ritz não ter sido visitada pelos autores, e mais estranho ainda nenhum leitor ter avaliado. Afinal, Lisboa não tem outra sala como aquela, nem um bufete daquele nível!

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